sábado, 5 de março de 2016

O DESENVOLVIMENTO DA NOTAÇÃO MUSICAL

COMO ERA CANTADO O CANTOCHÃO MEDIEVAL:

Para a transmissão dos cantos litúrgicos, a notação musical não é de modo algum necessária. Deve-se, entretanto, matizar essa declaração de princípio com uma distinção prévia. Em primeiro lugar, o termo "cantos litúrgicos" não abrange as leituras tiradas da Bíblia, que são executadas pelos leitores, pelos subdiáconos e diáconos, cabendo exclusivamente a estes últimos a leitura do Evangelho. Em todas as liturgias da bacia mediterrânea, as leituras do ofício noturno e da missa são "cantiladas", isto é, lidas recto tono, seguindo pequenas fórmulas de entonação, de meia-cadência para a pontuação "fraca" e de cadência mais ornamentada para a pontuação "forte", ou seja,no fim do período.

A IMPORTÂNCIA DA ACENTUAÇÃO TÔNICA:

O acento tônico, alma da palavra grega ou latina, tem, de fato, posição preponderante na entonação e uma situação menos privilegiada nas cadências. Também nas Bíblias e nos lecionados, Tanto no Oriente como no Ocidente, é freqüente encontrarmos, mesmo em épocas muito antigas, signos convencionais destinados a lembrar aos leitores as sílabas sobre as quais deviam fazer-se entonações e cadências.
Muitas vezes, esses sinais não são traçados pela mão do copista que transcreveu o texto sagrado: são acrescentados pelo clérigo ao preparar este, antecipadamente, a leitura que lhe compete fazer. Os especialistas chamaram esses signos de notação ecfonética, ou seja, notação dos finais. Na verdade, os sinais convencionais assim acrescentados, que lembram uma pequena fórmula de clausula rítmica, não chegam a constituir uma notação musical propriamente dita.

 AS ORIGENS DA NOTAÇÃO MUSICAL:

Em que época e em que região podemos situar a invenção dos primeiros sinais de notação musical? Os paleógrafos estão de acordo quanto a que os neumas — ou seja, as combinações de acentos e de sinais de pontuação do discurso (pontos, Técnica e notação do canto gregoriano 143 vírgulas, pontos de interrogação, etc.) — foram acrescentados na segunda metade do século IX aos manuscritos anteriores ao ano 800. Por conseguinte, os neumas terão sido inventados por volta de 800-830. Difundiram-se por toda parte, mas diferenciando-se conforme as regiões, um pouco como aconteceu com os estilos da iluminura... Hucbald, teólogo e teórico musical, monge de Saint-Amand, ensinou em seu tratado intitulado De harmonica institutione [Sobre a criação harmô- nica] que "os neumas, tão úteis para socorrer a memória, diferenciam-se
gráficamente em cada região".




O primeiro testemunho da notação musical data de 830: conhece-se até mesmo o nome do copista! Trata-se de Engildeu, monge de Santo Emerano de Ratisbona, que acrescentou, sobre meia página deixada em branco ao fim de um tratado de Santo Ambrosio, um tropo com as respectivas notas. Dez anos mais tarde, Aureliano de Réomé, que trata dos tons salmodíeos e dos modos gregorianos, faz três referências às figurae notarum, ou seja, os desenhos das notas, embora admitisse que uma "nota ¡material de música não se pode fixar por escrito..." Tal observação, atribuída a Isidoro de Sevilha no século VII, é muito justa: não é possível fixar os sons por escrito. A própria "figura das notas" indica, quando muito, uma direção da melodia para o agudo (acento agudo/ ) ou para o grave (acento grave \ ou ponto.) ou combinações desses movimentos, mas não a altura relativa ou absoluta dos intervalos que separam cada nota de outras. Era preciso, portanto, continuar a aprender de cor as melodias: os neumas ajudavam a memória, fazendo lembrar o desenho melódico das fórmulas de entoação e de cadências que são características de cada modo.


A estrutura da modalidade gregoriana (O CANTO GREGORIANO NÃO
ERA CRIADO ESPONTÂNEAMENTE?)

Acontece, de fato, que o canto gregoriano não é composto de maneira espontânea, ao sabor da inspiração genial do compositor. Cada peça, seja uma antífona ou um responso, é "centonizada", ou seja, é formada por fórmulas já prontas que, escolhidas em função do modo da peça, costuram-se umas nas outras por recitativos de ligação, com ornamentos no grave ou no agudo... O chantre que abria um antifonario com notação em neumas reconhecia instantaneamente essas fórmulas, pois sabia em qual modo a peça estava composta. E sabia porque aprendia a reconhecer os modos valendo-se de um
livro que continha todos os cânticos do repertório, classificados não segundo a ordem das festas litúrgicas (Natal, Epifanía, Quaresma, Páscoa, etc), mas segundo a ordem dos oito tons salmodíeos que se encadeiam com essas antífonas.
POR QUE CRIAR UMA NOTAÇÃO MUSICAL


Os problemas de escrita vieram a ser colocados no dia em que alguém procurou fixar a linha melódica em todos os seus detalhes. Mas por que essa escrita da melodia? Por que tantas minúcias? A tradição oral, sustentada pela memória coletiva de milhares de chantres distribuídos pela Europa, ter-se-ia estiolado? Certamente que não: mas era preciso acelerar a formação dos chantres, que tomava tempo demais — pelo menos dez anos, declara Guido d'Arezzo.
HUCBALDO


Hucbald, que vira nos velhos tratados de música greco-romana os graus do grande sistema perfeito — a escala da música antiga, que compreendia quinze graus de lá 1 a lá 3 — serem designados pelas letras do alfabeto, propôs acrescentar essas letras ao lado de cada nota da notação neumática sem pauta: desse modo, o cantor poderia reconhecer com certeza a melodia que por acaso houvesse perdido nitidez em sua memória, ou, melhor ainda, poderia decifrar à primeira vista uma peça de canto recém-registrada nessa nova notação e que
ele jamais houvesse ouvido antes (ignotum cantum).

GUIDO D'AREZZO


Conhecia o tratado de Hucbald e um outro tratado anônimo a que já se fez referência e que se intitula Musica enchiriadis, nos quais, para explicar os diversos intervalos às crianças e aos adolescentes, seus autores desenham no pergaminho as seis cordas da citara. Essas seis linhas constituem, sem dúvida, uma pauta, com a diferença que, em lugar de claves, indica-se, no princípio de cada entrelinha, se o intervalo é um T (tom) ou um S (semitonus, semitom). Pois aí está, fundamentalmente, o ponto importante do "solfejo": não cantar um tom onde deveria soar o semitom. Para chamar a atenção dos meninos, Guido d'Arezzo valia-se de cores: o vermelho para a linha do fá, o amarelo para a linha do dó e, além disso, uma letra-chave no início de cada linha: começando de baixo para cima, D para o ré, F para o fá, A para o lá e finalmente C para o dó. Acima do dó, encontram-se o mi e e em seguida o sol com a letra-chave G, que, na escrita gótica alemã, tornou-se a nossa "clave de sol"...

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